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A review by leonorbagulho
Caro Michele by Natalia Ginzburg
5.0
Esta narrativa fragmentada é essencialmente baseada em forma epistolar onde a história é revelada aos poucos, a várias vozes e com escrita diferente.
Na minha opinião, o título "Caro Michele", tem a sua razão de ser porque são mais as cartas que se dirigem a este personagem do que as que ele escreve.
O contexto político e social em que ocorre esta narrativa são os chamados "Anni di piombi" - Anos de Chumbo. Um período de grande violência política que não é explorado no livro mas é a causa da fuga de Michele de Itália para Inglaterra.
Esta é a história de uma família disfuncional mas que nunca se desliga, nem com a distância física, nem com as tensões e conflitos, nem com o divórcio, nem com a morte. Aqui, seja porque razão for, solidão, amor, interesse, tolerância, mantiveram a união. E isto leva à reflexão de quão complexas as relações humanas são no meio de tanto sentimento e emoção.
As personagens são retratadas de forma muito humana, com as suas imperfeições. A autora desenha cada uma delas através das cartas com todos os pormenores e diferenças sem que com isso haja julgamento.
As cartas são o veículo que traz e leva notícias e no dia em que Adriana, a mãe de Michele, sabe que vai ter telefone em casa, a reacção é de êxtase. Ouvir a voz e em tempo real, falar com o ente querido, saber se está bem e reconhecê-lo na voz....ficar mais próximo.
Adriana separou-se e o marido exigiu ficar com Michele. Adriana, por sua vez, ficou com as filhas. Tentaram encontros mensais mas não havia diálogo.
"Não há nada pior do que a timidez entre duas pessoas que se detestaram. Não conseguem dizer mais nada uma à outra. Sentem-se gratas uma à outra por não se ferirem e não se arranharem, mas semelhante espécie de gratidão não encontra a estrada da palavra."
Compra uma casa no campo quando se divorcia mas rápido percebe que a casa e o local não a satisfazem devido às expectativas que tinha e que não se concretizaram.
"A morte do teu pai chocou-me duramente. Agora sinto-me mais só. Não me dava nenhum apoio, porque não se interessava por mim. Nem sequer se interessava pelas tuas irmãs. Só se importava contigo. E o seu afeto por ti parecia dirigir-se não a ti mas a outra personagem que tinha inventado e que não se parecia em nada contigo. Não sei explicar-te porque me sinto mais só desde que morreu. Talvez porque tínhamos memórias em comum. Estas memórias só as tínhamos ele e eu no mundo (...) Mas não se amam apenas memórias felizes. A certa altura da vida, percebemos que amamos as memórias."
Saudade? A testemunha de vida? A partilha? O vazio? A falta de autoestima?
Angélica é uma das irmãs de Michele, aquela que mais dá assistência à família raramente mostrando que também ela tem problemas pessoais.
Mara, uma rapariga com quem Michele teve um caso. Ficou grávida e quis ter o bebé não tendo a certeza quem era o pai.
Mara é independente, solitária, insatisfeita, oportunista e procura um sentido para a sua vida. Também ela, mesmo sem ser da família, teve uma presença forte na história.
"Infelizmente, compreendi ao longo da vida que as minhas relações com as pessoas passado algum tempo se desgastam, não sei bem se por culpa minha ou por culpa delas (...)"
Por serem cartas têm um tom confessional, com diálogos internos, que não sabemos, nalguns casos, se corresponde à verdade.
Michele acaba por ser quem ficamos a conhecer pelas cartas dos outros personagens, alguém que em criança foi vítima de uma escolha e de separação, o que provavelmente lhe trouxe uma sensação de abandono. É ele que, através das cartas que a família e amigos escrevem, faz a união entre todos.
Na minha opinião, o título "Caro Michele", tem a sua razão de ser porque são mais as cartas que se dirigem a este personagem do que as que ele escreve.
O contexto político e social em que ocorre esta narrativa são os chamados "Anni di piombi" - Anos de Chumbo. Um período de grande violência política que não é explorado no livro mas é a causa da fuga de Michele de Itália para Inglaterra.
Esta é a história de uma família disfuncional mas que nunca se desliga, nem com a distância física, nem com as tensões e conflitos, nem com o divórcio, nem com a morte. Aqui, seja porque razão for, solidão, amor, interesse, tolerância, mantiveram a união. E isto leva à reflexão de quão complexas as relações humanas são no meio de tanto sentimento e emoção.
As personagens são retratadas de forma muito humana, com as suas imperfeições. A autora desenha cada uma delas através das cartas com todos os pormenores e diferenças sem que com isso haja julgamento.
As cartas são o veículo que traz e leva notícias e no dia em que Adriana, a mãe de Michele, sabe que vai ter telefone em casa, a reacção é de êxtase. Ouvir a voz e em tempo real, falar com o ente querido, saber se está bem e reconhecê-lo na voz....ficar mais próximo.
Adriana separou-se e o marido exigiu ficar com Michele. Adriana, por sua vez, ficou com as filhas. Tentaram encontros mensais mas não havia diálogo.
"Não há nada pior do que a timidez entre duas pessoas que se detestaram. Não conseguem dizer mais nada uma à outra. Sentem-se gratas uma à outra por não se ferirem e não se arranharem, mas semelhante espécie de gratidão não encontra a estrada da palavra."
Compra uma casa no campo quando se divorcia mas rápido percebe que a casa e o local não a satisfazem devido às expectativas que tinha e que não se concretizaram.
"A morte do teu pai chocou-me duramente. Agora sinto-me mais só. Não me dava nenhum apoio, porque não se interessava por mim. Nem sequer se interessava pelas tuas irmãs. Só se importava contigo. E o seu afeto por ti parecia dirigir-se não a ti mas a outra personagem que tinha inventado e que não se parecia em nada contigo. Não sei explicar-te porque me sinto mais só desde que morreu. Talvez porque tínhamos memórias em comum. Estas memórias só as tínhamos ele e eu no mundo (...) Mas não se amam apenas memórias felizes. A certa altura da vida, percebemos que amamos as memórias."
Saudade? A testemunha de vida? A partilha? O vazio? A falta de autoestima?
Angélica é uma das irmãs de Michele, aquela que mais dá assistência à família raramente mostrando que também ela tem problemas pessoais.
Mara, uma rapariga com quem Michele teve um caso. Ficou grávida e quis ter o bebé não tendo a certeza quem era o pai.
Mara é independente, solitária, insatisfeita, oportunista e procura um sentido para a sua vida. Também ela, mesmo sem ser da família, teve uma presença forte na história.
"Infelizmente, compreendi ao longo da vida que as minhas relações com as pessoas passado algum tempo se desgastam, não sei bem se por culpa minha ou por culpa delas (...)"
Por serem cartas têm um tom confessional, com diálogos internos, que não sabemos, nalguns casos, se corresponde à verdade.
Michele acaba por ser quem ficamos a conhecer pelas cartas dos outros personagens, alguém que em criança foi vítima de uma escolha e de separação, o que provavelmente lhe trouxe uma sensação de abandono. É ele que, através das cartas que a família e amigos escrevem, faz a união entre todos.